A Amarga Vida no Egito

Depoimentos de Sami Douek e Davy Levy

Depoimento impressionante de Alberto Moghrabi por Davy Levy

Família Moghrabi e Família Moreno....

Depoimento emocionante do meu primo Titi (Alberto Moghrabi)
Suponha que você mora num país onde faz parte de uma minoria. Há dois anos aconteceu um fato que dá início a uma rusga,que sempre esteve latente, entre o poder local e os membros da sua etnia. Ódios antigos vêm à tona e você começa a desconfiar que vai ter que abandonar o país ou ser expulso. Alguns membros da sua etnia já se adiantam e picam a mula. Então você resolve se casar e casa. Você faria isso? Passam-se mais dois anos e a insegurança está cada vez maior, sua vida segue dentro deste novo normal (ha ha) e eis que o casal engravida e lhe nasce uma filha. A essa altura, membros da sua etnia foram presos, expulsos ou saíram enquanto é tempo. Mais três anos se vão, o casal engravida de novo e lhes nasce outro filho, um menino. A essa altura, o pai que já desconfiava, tem um pequeno prazo para sair do emprego. Empresas estão proibidas de contratar membros da sua etnia. Mais um ano e a família está empacotando suas coisas, vendendo o que deu pra vender e avaliando as (poucas) possibilidades de locais de refúgio. Nas fotos abaixo, depois da fundação do estado de Israel em 1948: casamento de meus pais em Alexandria-Egito em 1950, minha irmã nascida em 1952, eu em 1955, o início do exílio na Itália em 1957 e a família no Jardim da Luz em 1958. Isso é o que se pode chamar de resiliência. Seres humanos se adaptam a tudo.

Por Davy Levy
Em 19 de Julho 2020
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Antissemitismo
Um tema inevitável, um trauma secular e uma identidade questionada.
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Se reconhecer judeu é uma identidade de berço e se reconhecer multicultural é uma realidade doméstica e particular. Se reconhecer no outro não era possível sendo classificado diferente ou itinerante.
Lembro da minha infância na escola francesa do Cairo que era chamada “Lycée Français du Caire”. O nome da escola passou para “Lycée Al Horreia” o que significava um neologismo no mínimo estranho para seus diretores e instrutores “nacionalizados” pelo autoritarismo do poder em exercício. O mais ambíguo nesta nefasta experiência é a tradução do novo nome por imposição à presença tradicional da França na educação num país que podia ser considerado também francófono. Al Horreia significa “A Liberdade" em árabe. Liberdade para submeter e oprimir em nome de opressores ditos libertários de um povo não menos oprimido e não menos submisso, mas esta questão não me seduz em comentar mais do que o pouco que escrevi.
Após traumatizantes experiências no Lycée, meus pais me encaminharam para uma escola de fé católica, “Collège de La Salle” e foi aí que aprendi a me disfarçar no meio de cenas incomuns para uma criança judia quando todos de pé no começo da aula, tínhamos que ouvir e repetir ao fazer o sinal da Cruz: “Souvenons nous que nous sommes à la présence de Dieu” Estava à frente da fé cristã com um crucifixo fixado na parede e com a maioria dos alunos repetindo em uníssono uma frase que declarava uma fé católica. Naquele momento e na minha ingenuidade eu me imaginava coberto por uma kipá invisível aos olhos dos outros. Eu estava próximo das minhas crenças originais e seculares em silêncio!

Por Sami Douek
11 de Fevereiro de 2022

O Shabat nos tempos de guerra
Entre minhas lembranças de infância e compreensões mais afetivas do que racionais, estou sempre pronto, e desde cedo, em relatar cenas da guerra no silêncio e no medo interior do escuro de casa e no escuro da minha alma infantil ainda dos meus sete anos de idade. Lembro da compra num armazém perto de casa, de papel pardo, azul escuro e suficientemente grosso para não parecer translúcido. Também lembro da compra de caixas de percevejos de cabeça dourada e de um pequeno martelo. este material foi providenciado para proteger o nosso frágil "habitat" diante do blecaute durante os ataques de 1956.
Ao chegar em casa, minha mãe Rosa (ZL””) sobre a mesa da sala de jantar, manejava o papel pardo com se fosse traçar formas em desenhos cheios de curvas, para algum modelo de costura; mas não! O papel originalmente vendido para encadernar livros escolares, foi comprado para cobrir janelas com frestas venezianas nos poupando do risco de vazar qualquer raio de luz, muito pouco provável, mas em especial para evitar o vazamento da luz da lamparina do Shabat, invariavelmente acesa nas sextas feiras e na hora certa. A lamparina significava a nossa proteção e agradecimento pelo dia do repouso santificado e também pela paz dos que estão se arriscando no front, sejam os atacantes ou atacados.

Por Sami Douek
11 de Fevereiro de 2022

Minha infância
O medo de perda ou do sofrimento de qualquer um era sentido, provavelmente mencionado em preces silenciosas que minha mãe balbuciava em árabe e que eu não entendia mas que sentia e sinto intensamente até hoje. As preces eram complementadas pela expressão em tom de súplica “Yarâb”.
Era comum que nos juntássemos os quatro irmãos em um canto da sala, fisicamente ao redor da nossa mãe e emocionalmente nos braços dela. Este momento de encolhimento estava entre intervalo de uma sirenes que anunciava a obrigatoriedade do Black Out e de uma segunda sirene, anunciando o relaxamento dos ataques.

Sami Douek
11 de Fevereiro de 2022
(continua)