Minha Biografia

Em 1956 dormindo com o inimigo ou a 'crise de Suez' por Sami Douek


O vídeo acima retrata e descreve um projeto, ora em curso e sem determinações pré-estabelecidas. Hoje, no começo de 2021 e sabendo da receptividade da proposta com mais de setecentas visualizações, das quais, em torno de 12% atingem territórios fora do Brasil, sendo principalmente, Estados Unidos, França e Israel. Serão feitos esforços coletivos para a manutenção e perpetuação deste projeto, em contínuo desenvolvimento e diversos formatos físicos, além da atualização constante deste website,


Porque o título Biografia nesta página? Neste projeto em curso, tenho interesses junto com a nossa comunidade e minha própria família originária do Egito, em citar e tornar público a minha experiência pessoal durante o exílio. Tenho hoje 72 anos. sou nativo do Cairo, somos na família em exílio, quatro irmãos. Sou filho de David Douek e Rosa Tamam Douek (In Memoriam).

Sami Douek
Em 20 de Janeiro de 2021

Outubro de 2020

Foi um convite feito Por Davy Levy, um amigo de bairro e quase parente da Sinagoga da Rua Abolição em São Paulo. Uma Sinagoga sefardita que uniu a comunidade judaica originária do Egito para o Brasil por consequência de conflitos sociais e políticos. Sobrevivi à uma infância difícil e um crescimento feliz no Brasil para pouco dizer. Hoje. A minha história em relação ao projeto/documentário se inicia no final de junho de 2020 em plena crise sanitária e com o texto que transcrevo abaixo publicado no Facebook. Este texto me significa o "marco zero" da jornada intitulada "A TRAVESSIA". A foto permanente em todas as páginas deste site é da minha autoria, tirada na orla de Santos. A foto representa o olhar para o mar, o oriente e portanto as origens além mar. Origem de uma cultura e de uma celebração de vida. O território se perde na minha história. O Egito território nada me significa mais. As crenças e relações com o Eterno permanecem tal como permanece a fé dos meus, dos nossos pais. O resto me faz hoje um contador de histórias.

Sami Douek em 27 de Outubro de 2020

Segue o texto original na íntegra.

"Entre minhas lembranças de infância e compreensões mais afetivas do que racionais, estou sempre pronto, e desde cedo, em relatar cenas da guerra no silêncio e no medo interior do escuro de casa e no escuro da minha alma infantil ainda dos meus sete anos de idade. Lembro da compra num armazém perto de casa, de papel pardo, azul escuro e suficientemente grosso para não parecer translúcido. Também lembro da compra de caixas de percevejos de cabeça dourada e de um pequeno martelo.

Ao chegar em casa, minha mãe Rosa (ZL””) sobre a mesa da sala de jantar, manejava o papel pardo com se fosse traçar formas em desenhos cheios de curvas, para algum modelo de costura; mas não! O papel originalmente vendido para encadernar livros escolares, foi comprado para cobrir janelas com frestas venezianas nos poupando do risco de vazar qualquer raio de luz, muito pouco provável, mas em especial para evitar o vazamento da luz da lamparina do Shabat, invariavelmente acesa nas sextas feiras e na hora certa. A lamparina significava a nossa proteção e agradecimento pelo dia do repouso santificado e também pela paz dos que estão se arriscando no front, sejam os atacantes ou atacados.

O medo de perda ou do sofrimento de qualquer um era sentido, provavelmente mencionado em preces silenciosas que minha mãe balbuciava em árabe e que eu não entendia mas que sentia e sinto intensamente até hoje. As preces eram complementadas pela expressão em tom de súplica “Yarâb”.

Era comum que nos juntássemos os quatro irmãos em um canto da sala, fisicamente ao redor da nossa mãe e emocionalmente nos braços dela. Este momento de encolhimento estava entre intervalo de uma sirenes que anunciava a obrigatoriedade do Black Out e de uma segunda sirene, anunciando o relaxamento dos ataques.

Durante este intervalo em silêncio e concentrações, em contraponto com este silêncio em obediência, estava o som dos aviões israelenses sobrevoando a cidade do Cairo e o lançamento de bombas em alvos que desconhecidos.

Assim mesmo mantenho em mente imagens da família reunida e amedrontada, com o luar da luz da lamparina brilhando suavemente nas paredes de casa e também iluminando o papel pardo, do lado de dentro sobre a janela, como se esta luz fosse um escudo protetor dos céus, perante nosso sofrimento e perante da nossa fé sempre radiante em tempos de guerra, doença ou paz.

E somos hoje e sempre todos abençoados desde então e continuamente nômades". Cito este texto do interior do meu ser que me acompanha e que me faz o que sou.

Sami Douek em 24 de Junho de 2020