1960 -2021

61 anos da TV egípcia

Eu que gostava de música, tive que descobrir com amargor a TV no Egito de 1960. Leiam meu depoimento 61 anos depois.

61 ANOS DA TV EGÍPCIA


Um relato muito particular

Hoje 21 de julho de 2021 a televisão egípcia comemora seus 61 anos de transmissão.

Pelo meu olhar, desde a minha mais tenra infância este misterioso aparelho gordo, bojudo e com um móvel arredondado de madeira lustrada me fazia sonhar e voar nas asas da emergente tecnologia. Estas cenas eram de vitrines no Cairo de lojas que exibiam, antes do tempo, os aparelhos receptores das marcas Philips, RCA e outras. O meu desejo foi então que pudesse um dia e pela primeira vez na vida presenciar a luz mágica de um pequeno “cinema em casa” que trouxesse mais vida, divertimento e realismo do que o rádio com o qual já me acostumava. Meu pai David sempre que se superar nos trazendo em casa estes pequenos confortos diante de uma vida regada por incertezas e traumas de guerra… para as crianças todo sofrimento seria poupado e até mesmo escondido sendo um segredo de adultos vetado em conversas abertas para todos ouvidos.

Antes de continuar o meu relato, conto um pouco da história oficial. A construção do centro de rádio e televisão foi concluída em 1960, e a primeira transmissão de televisão egípcia começou em 21 de julho de 1960. A transmissão começou no dia 21 de julho de 1960, às 07h00, e a TV egípcia foi iniciada com uma transmissão de cinco horas que começou com a recitação do Alcorão seguida pela abertura do parlamento e um discurso do presidente Gamal Abdel Nasser. Isso foi seguido pelo hino nacional, então o boletim de notícias e finalmente terminou com a recitação do Alcorão.

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Julho, mês de férias de verão, em 1961 foi o ano da TV em casa no Cairo, chegou na nossa sala de jantar, quase de surpresa aprontada pelo meu pai, na volta das férias escolares que passávamos regularmente em Ras-El-Bar. Na chegada em casa por um taxi preto americano, já sabendo da surpresa, corri para ver este objeto do desejo em exposição sobre o Buffet principal.. O impacto foi enorme ao ver um pequeno aparelho da marca japonesa Toshiba com uma pequena tela acinzentada e de cantos arredondados fazendo 14 polegadas em diagonal com um mix de plástico verde-oliva emoldurando a tela, um botão redondo, seletor de canais (para que seletor se tinha apenas acesso a um canal estatal?) e um conjunto de outros botões em design da época para controles e ajustes adicionais… estava em estado de graça com a TV ainda desligada… um verdadeiro delírio sensorial. Certamente acompanhamos a magna abertura do Presidente da República Árabe (forçosamente) Unida, o ilustríssimo Gamal, mas neste dia de nada me lembro nem do ritual e nem da costumeira oratória do líder máximo venerado pelo seu obediente povo. Mas a piada clássica diria “Mas o que você está nos trazendo hoje Monsieur Douek, 61 anos depois?

Um trauma inesquecível e odioso!

Ao ligar a televisão num final de tarde, eu esperava assistir uma hilariante comédia de Naguig El Rihani, Ismaïl Yassin ou até mesmo um musical qualquer; mas NÂO…

Fui surpreendido com cenas de um filme de época com personagens marcantes em língua germânica e legendas em árabe. O que poderia ter sido um programa de aventura, ou de história; o que a minha infantil ingenuidade sugeria, fui percebendo personagens de caráter duvidoso e letras em caracteres hebraicos, o que me assustou pois ver “hebraico” em transmissão de TV egípcia me parecia no mínimo alarmante para meus 11 anos de idade. Algo assustador...

O Judeu Errante foi o filme e são exatamente as cenas deste fime que me fez voltar às minhas memórias mais incômodas

O filme está disponível no YouTube. Vejam um pequeno trecho.


Os meus comentários sobre o levante do antisemitismo terá um capítulo especial. Aguardem

Sami Douek em 21 de julho de 2021, 61 anos passados, mas não apagados!